sexta-feira, 25 de abril de 2025

Novos ares.

 

     (...) E então, o herói enfim retornava para lá. ...E já não era sem tempo, segundo ele, pois iria certamente enlouquecer caso perdesse mais dois ou três dias de viagem por causa do homenzinho petulante.


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     — Não creio, não creio...! Foram os Deuses que possibilitaram nosso reencontro aqui sob este lindo e eterno pôr do Sol da região. — Eis que uma voz alheia, talvez à direita do cavaleiro, fez uma comparação entre o próprio acontecimento e a paisagem usualmente vista àquelas terras do Leste. Mas, mesmo sem esse fato, o seu timbre era inconfundível.

     Lógico que, graças às condições em que se encontrava, não permaneceu desacordado por muito tempo. Embora anteriormente tivesse aceitado aquele seu destino tolo, talvez por pressa ou ironia, já não se conformava mais com sua sina, e iria ficar bravo consigo mesmo uma vez que retornasse em seu juízo perfeito.

     Minutos após ter caído, seu corpo bateu contra uma superfície sólida e áspera como a de uma grande pedra. Porém, apesar de o grande impacto, o antigo desafiante pareceu não levar tanto dano com seria o esperado. Devia ser pelo revestimento em azul que envolvia a efígie daquele guardião, além dos imponentes sons como “RHHHAAAARRGHH” ou “GRRRPH..." que vez ou outra eram escutados. Abriu os olhos e viu... o algo largo e azul que voava era mais uma evocação do Mundo Cerúleo. Mas... ele não se lembrava de ter pedido ajuda ao sino; muito menos de ter chamado um goblin sequer.

     — Olha só, dormis bem, hein, cavaleiro?! — Ele parecia se divertir com a cena. Como um cocheiro qualquer... só que ao comando de uma gárgula de proporções nunca vistas, ele se punha feliz. O próprio... o subordinado daquele já distante reino. Estava hoje com roupas mais frescas e simples, mas conservava o mesmo estilo de cabelo de quando o vira sob outras condições. — És melhor de direção do que eu... E muito mais destemido, isso tenho de concordar. Mas... que bom que te achei nessa imensidão onde nunca fui. E essa conquista foi minha! Ora, vejam só! Não se preocupe mais quanto ao dragão, meu amigo. A ameaça já se encontra ao longe, e por muito não há de preocupar-te. — A frase ficou bem polida, mas com um erro gramatical. O cavaleiro, mais desperto, se permitiu rir. — Sei que és viril e forte. Mas fazer frente à um Fenda da Morte assim, em um palco ainda desconhecido... parece-me um tanto arriscado, não? Ha-ha, que bom que acabou, deveras! Agora relaxe, e aproveite o voo. Já nos avizinham paragens mais seguras...

     Pousaram, e ele atestou que o lugar já era conhecido aos dois. A cadeia de montanhas, com seus outrora instalados acampamentos ao redor, parecia cantar-lhes augures de boas-vindas enquanto os relembrava das tramas e conquistas de antigamente. Foi interessante e motivacional para o cavaleiro enxergar ainda de longe os mineradores executando seus afazeres; mais precisa e gloriosa a visão ainda pois o “cocheiro” cantava nova balada tão logo decidiram ir para aquela direção, e agora o herói não mais o ouvia, pois estava imerso à cena por ele possibilitada, inflando-se em orgulhoso ego.

     O improvisado cantor notava os ânimos de seu amigo, e ordenava, sempre emendado à canção, para a gárgula sobrevoar bem de perto o cenário, diminuindo seus movimentos para quase inércia. Os humanos embaixo sentiam aqueles ventos sazonais, mas pareciam não enxergar a grande criatura que ali também se aproximava, pois olhavam curiosos para os céus enquanto tiravam os seus chapéus corta-vento a fim de observarem melhor. E o homenzinho continuou em sua cadência que seguros se punham invisíveis, silenciosos como fantasmas a observar os alheios por feitiços. O outro, logicamente não o ouviu, e já se acrescia em forças para ficar de pé (o que exigiria extremo equilíbrio, era arriscado e impensável para o momento e contexto), abrindo os braços como quem fosse aparecer de repente. Contudo, a única atenção que deu ao condutor daquele animal alado foi olhá-lo  com um sorriso sarcástico desde uma posição superior. Ele não iria fazer aquilo... não por agora.

     Enfim aterrizaram. Porém o servo do rei não escolhera, o que poderia ser até provável, o grande pátio do vilarejo ou mesmo os fundos do castelo, que àquela hora estariam cheios de gente, para finalizarem a aventura aérea. Mas sim, pousou em um lugar mais afastado, e tão logo sua pequenina figura desceu da efígie do grandioso e atípico guardião cerúleo, ela a abraçou e, dizendo-lhe em alto e bom som, “obrigado, podes descansar”, mandou-lhe para seu mundo de origem.

     — Aprendi contigo, nobre cavaleiro. Chegar sem fazer alarde — falou, imitando assim a mesma cara irônica de horas atrás. — Vamos andando. As belas torres da entrada, já as podemos ver. — E continuou, contudo para uma direção errada (devia ter sido vertigem ou perda de orientação graças à viagem). Foi o amigo quem lhe colocou de volta à rota. E assim seguiram alegremente.

     Quando alcançaram os altos mirantes de guarda, o turno de vigias já tinha mudado, e os novos sentinelas já os observaram com desconfiança, recordando ao forasteiro atos e desventuras passadas.

     Aquelas caras eram novas até mesmo para o homenzinho petulante ao lado. Realmente parecia achar que chegaria àquele marco já em posição de destaque, uma vez que ninguém mais por aqueles domínios estava esperando revê-lo. O sério e objetivo viajante também o olhava um pouco com desdém, mas no fundo se admirava por ele, e... quanta ironia... justamente ele, ter sido o seu salvador. Contudo, menos mal, o outro se aproximava dos guardas somente para apresentá-los rapidamente, o que, em condições normais, não seria o usual. Parecia também ter a decência necessária para manter “a aventura passada” em completo e total sigilo.

     — Deveras... Não creio, não creio! Só mais um pouco, e já seremos recebidos... — Após corajosamente ter tomado a dianteira e dado notícia da chegada como quem anuncia heróis, virou-se depressa em direção ao amigo. — Nada melhor do que solícitas conversas e léxicos amigáveis para conseguir o que desejamos. Seremos recebidos aqui mesmo, por ninguém mais, ninguém menos, que o próprio rei! Meu coração se regozija de felicidade. Porém, esperemos calados e circunspectos, pois bem sei que não aprovas muito bem meu jeito alegre de cantar...

     O companheiro louvou com um sorriso sarcástico e disse misteriosamente “já poderia prever”. Daquela vez, ao menos, a espera não se arrastou em tédio como da outra visita.

     — Pelos Deuses... Pensamos que... — O senhor do castelo os recebeu com um traje simples, mas inconfundível: botas e luvas de couro azul-escuro lembravam a imponência e a cordialidade de sua linhagem, a calça comprida de lã em tom mais sóbrio contrastava ricamente com a camisa de algodão macio, e uma capa púrpura com bordaduras em fios de prata nas extremidades dançava aos seus ombros, fixa por dois fechos ornamentais em alto-relevo azul. Em conformidade com toda a sua efígie, seus olhos também impunham respeito, contudo graças ao contexto estavam mareados e felizes de terem reencontrado o “fugitivo” servidor. Continuou depois de um longo abraço: — Foi o espírito de Tamara quem os incitara em empreitada, e fora minha amada Ellene quem os guiara em retorno!

     Por um instante, pareceu ignorar a figura do cavaleiro e recebera o tal amigo como se há muito tivera se ausentado e realmente presasse aquele encontro. Até mesmo o nobre, que atipicamente “ganhava espaço e visibilidade” à corte, achou a cena meio exagerada e inclusive pensou que o soberano desejava algo “que só ele pudesse fazer”, como liderar mais uma expedição às montanhas ou alegrar todo o reino novamente com suas melodias e canções inesquecíveis. Era naquilo que o homenzinho petulante queria acreditar, e o seu otimismo permitia isso muito bem; mas na realidade... todos já o tinham dado como morto em vista de sua demora, e ninguém lhe dava o crédito necessário.

    O rei finalmente pareceu voltar à sua seriedade habitual, segundo a ótica do servidor, e, cumprimentando rapidamente o cavaleiro, que apenas acenou feliz com a cabeça, fez o grupo enfim reentrar ao vilarejo. Trocaram uma ou outra palavrinha com os transeuntes e trabalhadores que ali retornavam de seus labores, enquanto demorados e longos passos ora os distanciavam ora os conduziam até a meta, o frio e imponente castelo azul. Fazendo o papel do cicerone do povoado, o ignorante ia a frente, guiando os olhares e atenções dos outros dois nobres.


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     Tubī sȳzo àsk va dāriot issa, ñuhus dārus. Hoje se faz um bom dia pelo reino, meu rei! Hontesse vāedis, os pássaros cantam; taobi se riñi līrissi, os meninos e as meninas sorriem; se... Īlvyz kostōba azantys jātas, e... o nosso forte cavaleiro já saiu. — O também hóspede acordou habitualmente cedo, arrumou seu característico e único penteado, e com uma lustrosa roupa azul para combinar direito e certo com os tons sérios porém amigos do castelo, rumou em direção à sala do trono. O rei já estava de pé, mas por conta de suas perdas do passado e do alto cargo que tinha de manter, quase todos os dias tomava o seu desjejum sozinho e pensativo. O monarca, sentado ao fundo da comprida mesa, acabava de devorar uma coxa de frango quando o servidor magicamente apareceu, enfurecendo-o levemente. Os guardas da porta deviam estar dormindo... ou não se importaram talvez, pois aquele era um comportamento constante do colega de trabalho.

     — Estabelecer e cultivar laços é importante, contudo eterna vigilância àqueles os quais concederás certos graus de intimidade... você pode se arrepender depois. — ele balbuciou o pensamento após um gole de seu suco de maçã, e o intruso pareceu escutar o final. Uma vez ali, não pôde deixar de notar, portanto, a consistência da bebida (sendo feita a partir de uma fruta deveras comum por toda aquela região). Assim, pegou seu alaúde e cantou que o rei, apesar de sua posição elevada, era um governante do povo ao beber um líquido tão simples e humano como aquele. O anfitrião até gostou daquela “bajulação” e abriu um sorriso afetuoso. Mas... não permitiu floreios ao homem. Ausentando-se por um breve momento, trocou as botas finas por calçados mais grossos e resistentes ao frio, e apareceu com sua reluzente e chamativa capa de cortejo pela cidade. Não esperava escapar de seus objetivos e chatos afazeres administrativos naquela manhã, mas algo o dizia que deveria se juntar à plebe, aproveitando mais um passeio em companhia do homem petulante.

     E o final de inverno estava, assim como o amigo bobamente apontava, feliz e tranquilo, assemelhando-se aos tempos de paz. Não obstante, infelizmente viviam em uma espécie de redoma, e as muitas e alheias terras das quatro direções não poderiam dizer o mesmo. Vez ou outra, o rei movia suas tropas em comitiva e punha infiltrados em vilas e em locais estratégicos a fim de tentar apaziguar um ou outro confronto, mas o ódio ao diferente e as díspares políticas dos outros monarcas eram entraves severos... e, por mais inesperado que parecesse, o sangue e as batalhas insanas atraíam alguns, convertendo a antiga gente comum e de bem em prisioneiros de guerras, sem vencedores de fato e não mais fazendo do que apenas alimentar aquela maldição ancestral que nunca cessava.

     — Creio que nosso amigo prosseguiu em jornada ontem anoite, furtivamente na calada da noite. — Ele olhou para o soberano e já conseguia falar firme e “mais centrado” com uma pessoa que representava um status maior. Reforçou na voz o adjetivo de modo usado, e assim continuou: — Caso me permitas, também me cresce o desejo de seguir com meus afazeres, sentindo-me útil para com o mundo e as pessoas. Levarei minha alegria, a qual bem sei que pode ser enfadonha às vezes, e contribuirei para restaurar os bons dias aqui por toda essa Terra. Reforçando o humilde pedido, meu rei, sinto que meus feitos possam ser mais valorosos levando, agora, uma vida itinerante. Abençoado estou pela coragem de Tamara, pelo zelo de Ellene, e pelas motivações e passadas louváveis do cavaleiro sem nome. Que a graça me guie! — Parou em uma rua qualquer, juntando uma perna na outra em um movimento rápido como se estivesse em serviço militar. Conservava uma postura totalmente ereta, de frente para o comandante, e a palma de sua mão direita era fixa logo acima dos olhos. Finalizando o raciocínio também, optou por usar o antigo substantivo em maiúsculo para reforçar seu desejo, apesar de saber que aquilo seria utópico demais, até mesmo para ele. Acalmou o soberano dizendo que sua pequena figura contaria agora com a ajuda da gárgula, a qual já tinha previamente elucidado sobre sua existência.


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     Com rigor, e priorizando sempre a tradição dos oito dias, o viajante via aquele cenário transcorrido um período de quatro vezes o número sagrado. Talvez fosse tolice perder-se na espera de mais de uma lua, certamente, mas também levou em consideração os seus “ensinamentos” passados, nos quais a efígie do homenzinho petulante lhe aparecia para dizer, igual à sua avó, “para que essa pressa toda? Um sábio herói...”. Embora fosse certo — e até bom — permanecer mais tempo ao reino e ao convívio das pessoas, havia uma ressalva: não deveria se aproximar demais, pois os fatos lhe mostravam que até mesmo aquilo era efêmero. Muitas ponderações e controles de riscos a fazer...

     Deveriam estar à metade exata do dia, tamanho era o calor que deixava o dourado do cenário ainda mais claro e divino, distanciando de vez a estação fria e de poucas plantas. Ásirus, como já demonstrado, seria de grande ajuda e suporte àquelas elevações, que logo após a luta contra o passado desafio se tornavam gradativamente maiores e “impensáveis a qualquer mente humana ‘menor’”. Antes, duvidava que fosse conseguir tão rápido, mas agora, em sintonia com o vento e com as cores de esperança do ambiente à sua volta, ele revigorou seus ânimos e, lembrando daquele seu triste episódio da infância, viu-se capaz!

     — Decerto, não deveria ter descido aos abismos de outrora. Talvez ainda não estivesse pronto... — Admirando a panorâmica, ele mesmo se recriminou. Os desafios de lá seriam, com certeza, sobremaneira grandiosos e dignos daqueles que se superam, mas as terras de baixo de mesma forma representariam importunas barreiras, assim como o tal líquido, que já não queria nem lembrar.

     Antigamente, no tempo em que também minerava às montanhas e, juntamente com a guarda real, oferecia proteção aos trabalhadores das minas, tomou conhecimento daquela última e escondida galeria. Os exploradores do reino estabeleceram a tal passagem ainda quando o soberano era apenas um príncipe, e se orgulhavam das novas possibilidades de comércio e de relações que seriam mais rápidas e precisas. Não desmanchariam, porém, a outra rota, essa “criada” pela própria natureza, a qual conduziria a um grande elevador, ativado por um medalhão cor de barro-batido. Coexistiriam então as duas, e para acessar o caminho alternativo seria preciso viajar até os domínios do rei, e assim adquirir ordem expressa para prosseguir às montanhas e ao dito objetivo. Além de os rústicos elevadores e assentamentos que o cavaleiro já presenciara, pequenas fortalezas ali foram anexadas e, à frente da última guarita, uma torrezinha fora edificada talvez para sinalizar o local. Tudo aquilo era continuamente vigiado e fortemente guardado, mas os tempos de glória deram por encerrado tão logo as ameaças apareceram. Fatalmente, a região foi perdendo o brilho, e... o final da história, o herói conhecia muito bem.

     Ele se abaixou devagar e foi andando para a esquerda, parecendo se esconder de algo invisível. Oxalá o magma que escorria livremente fosse só enfeite, ou por uma ou outra magia qualquer, se convertesse em inofensiva água transparente. Esperando o inevitável, pressionou um colar que lhe daria mais 20% de defesa contra o elemento, e esperou uma questão de segundos. Avançando de forma serpentoide pela frente, um wyrm apareceu! De aparência um pouco menor pela distância em que se encontravam e também pelo colossal palco mais aberto (com a incandescente substância escorrendo para um abismo à direita), mas temerosamente presságio de agouro por estar em seu habitat natural.

     Fora o ego, diluído em rompantes de busca por novidade também, que o conduzira até as estradas mais baixas, achando que já era apto ao ingresso daquelas áreas pútridas. Mas, repassando como um filme sua aventura, com brilhante narração do homem petulante, é claro, viu que ainda não seria o momento, e se conformou por cada coisa no seu momento certo. Este, pelo menos, não voava e era de mesmas proporções e características do que a segunda ameaça dracônica enfrentada. De mesma forma, há muito tivera estudado sobre tais biologias, as quais pareciam todas compensar em ferocidade o seu tamanho pequeno e a sua ausência de asas.

     Para tanto, não levou para a disputa os certeiros e velozes dardos ósseos de arremesso; mas decidiu trocá-los por um anatômico arco verde e uma aljava com flechas de gelo —um dos presentes do reino das montanhas. A carapaça de tais criaturas seria mais grossa por rastejarem no chão, mas tal adversidade era o exato motivo que o fizera escolher a estratégia: em contato com qualquer mineral sólido, a ponta de cada projétil faria erguer três ou quatro cristais azul-claros, terminando por impossibilitar movimentos do alvo em questão.

     Antes mesmo de se colocar ali, ele já previa a habilidade da criatura de recuperar um pouco de vida quando em contato com aquele mar de chamas do cenário. E... comprovara nos dias passados tal hipótese graças a estudos solitários com o homenzinho, o qual não parava de falar como habitualmente, mostrando de vez todo seu conhecimento e lógica para com as diferentes biologias das terras. Pelo menos, em troca, o ignorante aceitava as lições em defesa pessoal e olhares vigilantes que o cavaleiro de bom ego administrava.

     — Vamos ver agora se esses potes de sono funcionam na prática... — o herói falou, agradecendo em si o presente que o antigo servidor de Déhla, e agora andarilho errante, deu a ele como “lembrança daquele encontro”. Contudo... poderia acontecer o que o rei, e ainda grande parte do vilarejo, temeu certa vez de ter acontecido? Poderia. Pelo menos aquele viajante sem nome iluminou o homem a sair de seu lugar comum; e isso foi muito bom! Mais um grande feito, segundo ele.

     E pensou e reforçou tudo aquilo em minutos, pois a ameaça vinha, naquele começo um tanto quanto desengonçada, mas não dava trégua. O campo era aberto e... o calor do prenúncio da primavera poderia, à situação, ser mais severo; concedendo vantagem por clima ao wyrm. Mas o bravo desafiante não ligou para aquilo, pois apreciava os grandes desafios; tanto que não usou Ásirus à disputa (até mesmo seus resistentes cascos sofreriam com as chamas), e, estava louco para testar na prática, mas largou seu escudo dourado — mais um presente daquele reino — no mundo cerúleo junto com as outras armas (pois o calor rapidamente esquentaria o material, convertendo o grandioso e lendário objeto em lixo). Deixava a criatura se movimentar livremente, desde que o bastante perto para não mergulhar nas partes em laranja. Bebeu do elixir que lhe concedeu maior poder de ataque carregado e recuperação rápida em vigor. A luta transcorria em paz assim...

     Ataques de cauda e investida não foram tão eficazes tendo como segurança a perícia do cavaleiro. Assim como a serpente poderia usar-se da vantagem do campo, ele achou que já era hora e lançou o primeiro pote de sono, que pelos Deuses funcionou certamente, e adormeceu o adversário em pouco tempo. Logo, teve um bom espaço para agredi-lo , e após um ou dois golpes pesados de lança, mirou às patas e desferiu rapidamente flechas que fizeram brotar pequenos cristais. O “crescer da natureza” logo à frente dos olhos lhe recordou do outro campo de batalha, mas sem desviar do foco voltou onde estava. Isso o oportunizou mais estocadas; e... daquela forma a aventura não estava tão difícil como ele outrora tinha imaginado.

     Sentiu-se desonesto, porém, de desferir estratégias em uma criatura dormindo, e por uma ou outra vez permitiu o retorno da salamandra ao fogo, e até uma concessão maior  para um revigorante mergulho, em uma fugitiva ocasião, talvez. Totalmente regenerado, o animal repetia os encontros ao humano; o qual aproveitou o anterior instante para evocar um espírito de um água-viva, a fim de esfriar um pouco o campo pelo seu simples flutuar enquanto tentava envenenar o alvo por seu ataque especial. Aquele fantasma do mar não fora chamado ali ao acaso, visto que por suas habilidades poderia andar pelo fogo sem se queimar, além de atacar à distância e sumir e reaparecer ao cenário.


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     Já era quase noite quando ele... com um último e certeiro golpe, deu por encerrado aquilo. Poderia sim, e talvez devesse de fato, ter finalizado o desafio muito mais cedo, mas aquilo era, como diriam, muito divertido de fazer e assistir, além de questão de honra tento em vista o último e similar “empate”. Gastou cinco potes de sono apenas, mas um punhado considerável de flechas...

     E assim, terminou-se mais uma saga do herói, com disciplinas e palavras a seu ponto.

A primeira crônica.

  A primeira crônica.         — Mas que calor é esse! Será que existe vida após 3.020?      O mês era junho. As folhas caíam... mas a te...