O Príncipe e a Amazona.
Bom dia, boa tarde, boa noite! Apolo e seu carro do Sol já nos
abençoaram nesse novo dia 12, e não aguentava mais de aflição e insistência
para publicar isso aqui. Retorno com ele especificamente hoje aqui,
atipicamente sem ser quinta-feira, para um certo eufemismo daqueles que não tem
e, também, para passar essa data unicamente para comércio. 
Boa leitura a vocês, e juízo! 
     Galopadas ouviam-se ao
longe enquanto ela perseguia um trecho ao lado de dois caminhos vazios. O
cavalo, de pelagem escura e vistas completamente despertas iguais à sua
domadora, era conduzido com foco através daquelas planícies, depois, é claro,
de terem passado por alguns percalços pelo caminho. A princesa, uma bela e
valente amazona, outrora tinha visto em sonho a alguém que dormia, logicamente
previsível, na torre mais alta de um castelo. Por alguma ou outra razão teve
consciência de que aquilo era real e resolveu arriscar. Em dormência atrás de
grossas plantas com pontiagudos espinhos, ele talvez não se permitia andar por
suas próprias pernas e vivia solitário, em um universo à parte que podia, por
ele e quase exclusivamente por ele, ter sido criado . No início, provavelmente
fôra ela quem sonhou com o cara; pois... como ele podia começar a história
naquele estado? Quer queira quer não ele estava dormindo, inerte na cama, e não
podia fazer nada além de esperar. Porém, recentemente o rapaz de nossa história
começou enfim a ter um pouco mais de consciência. E sua abstrativa mente
poderia tê-lo ajudado, na medida do possível, a não perdê-la de vista. A
princesa, se destacando no meio da multidão e mais concretista do que ele, não
tinha medo do que podia enfrentar; talvez porque já tivesse lutado com dragões
e feras muito maiores do que ela, em lugares onde o dormente príncipe
provavelmente nem cogitava ir... Sobre isso, ela poderia ter parado com essas
criaturas porque, ainda que fossem atrativos e cuspissem rajadas flamejantes
por exemplo,  a garota se perdia em admirá-los demais, o que os dava
chance para fazer de vítima uma cidade inteira, talvez, enquanto a pobre
amazona ficava de refém. Buscando também uma aventura não tão perigosa mas não
menos excitante (de certa forma, seria nova), achou melhor arriscar. Talvez
aquela poderia ser a realidade esperada, ainda que em um primeiro momento não o
fosse.
     Mas,
por que aquilo somente estava acontecendo agora?  Ora, o príncipe da
história já tinha passado a puberdade à muito. No entanto, o belo adormecido
era pequeno ainda, não unicamente em seu tamanho, mas só tinha “acordado” para
aquela vida agora. Antes, palavras e pokemon o ajudavam a preencher o tempo
(contudo, mesmo com aquele novo concretismo se avizinhando, ele não buscava
perder sua peculiar infantilidade). Tinha medo, medo de acabar a rotina. Medo
de, assim como ela com os dragões e gigantes, entregar sua vida a uma pessoa
estranha e esquecer-se de quem verdadeiramente era. Talvez seria difícil se
reconstruir; talvez tinha que reconstruir-se de acordo com sua nova vida;
talvez seria muito difícil... mudar. Não que ele não gostasse de mudança; as
curtia até mais do que um homem poderia curtir, mas às vezes isso o atrapalhava.
Quando se empolgava com uma coisa, deixava seu lado criança falar mais alto
e..., é lógico que isso iria assustar qualquer pessoa alheia, a menos que essa
criatura não fosse de carne e osso; ou seus pais, por exemplo. Também nunca
tinha ligado para aquilo no tempo certo; sua vida inteira podia ser anacrônica.
Como, talvez, um mago que gosta de brincar com o tempo, viajava mentalmente por
todas as fazes da vida e não sentia-se todos os últimos 365 dias com 22 anos...
Não, é claro que ele tinha suas crises existenciais de vez em quando e desejava
estar junto de pessoas de sua idade. Porém, não falava todo o tempo sobre
assuntos que pessoas de sua época se interessavam e isso o fazia ter mais
amigos velhos do que jovens. Também, (isso não o incomodava muito antes, mas
agora que o povo estava crescendo, ele estava na faculdade, indo mais para a
academia e vendo todos aqueles marmanjos levantando trocentos quilos em cada
exercício) não tinha um corpo assim de meninos de sua idade... Graças a Deus,
estava se definindo agora, mas ainda era muito difícil ganhar massa muscular.
Um cara que sempre (ou muitas das vezes) pensava demais antes de agir; uma
pessoa que adorava escrever e reescrever seus contos várias vezes, recordando e
imaginando coisas; inventando outras... esse era o príncipe.
     Enquanto
o outro pensava e acreditava naquilo como outrora nunca tinha acreditado, ela
corria por aqueles campos verdejantes como ninguém. O belo adormecido não
queria chamá-la de “heroína” ou "salvadora" ainda, porque presumia
estar muito cedo; ainda que ela o tirasse daquela torre e vivessem toda uma
odisséia juntos. Podia ser, assim como podia só ser uma história mesmo. E, como
histórias, podiam ter bruxas, aventuras incríveis, peripécias... podia até ser
trocada ou apagada e voltar de novo graças à um beijo de amor verdadeiro. Então
será que ele, em forma humana que estava, viraria um sapo no final da história?
Ou o sapo-humano podia virar um príncipe de verdade pelo beijo de princesa?
Preferia ele a segunda opção.
     Correndo
pelas passadas do cavalo assim como o destino de ambos era, ou quem sabe fora,
já traçado, nenhum nome ou coisa a respeito dela o vinha em mente. É claro que
imaginava, e, como agora sentia que não estava tão “fissurado” em estudos e
podia pensar mais em outros assuntos, ficava horas a imaginar. Imaginava ao
ponto de escrever, escrevia ao ponto de sentir. ... Certa vez, alguém o falou
que ele tinha que “saber pedir”. Pedir com mais foco, com mais desejo,
visualizando todas ou boa parte das características da pessoa que queria ao
lado. ... Pensando nisso, ele imaginou sei lá, uma loura arquiteta, mas isso
foi mais utopia do que realmente desejo. Seria bom se ela fosse tipo assim um
pouco muito diferente do que ele em algumas coisas; porque assim ela o poderia
mudar assim como ele a mudaria, (para ambos encontrarem a medida das coisas,
pensava ele). Se ela fosse mais “pra frente”, mais “de sair”, falasse o que
viesse à cabeça e não fosse muito influenciada pela sociedade... aí seria bom
demais. E podia realmente ser assim, afinal de contas ela era uma amazona, uma
guerreira que não tinha medo de aventuras e possivelmente já teria vivido até
muito mais do que ele. Se ela fosse mais “da noite” do que “da manhã”, com
certeza isso acordaria o príncipe e o soltaria mais para a vida. Se sua
princesa gostasse de coisas diferentes, o ex-belo adormecido poderia
surpreendê-la com suas histórias e seu jeito único de viver a vida. 
     Geralmente,
homem é mais de físico do que mulher, pensava ele em momentos de
consciência, mas nessa história parecia diferente. Ele, lembrando entre risadas
da loura arquiteta (que imaginou entre risadinhas bobas e tolas também), não
conseguia imaginar em si a figura, ainda que pudesse rascunhar a alma. Isso foi
meio RPG de falar, mas quando disse “alma”, queria dizer
“qualidades e defeitos”; só para ser um pouco mais poético e pensar que tinha
poderes, dois hobbies que pareciam essências à sua vida. Ainda
sobre isso, nunca ligou tanto para aparências. Para ele, o que existia de mais
bonito e duradouro era o interior, não o exterior.
     Porém,
as horas se tornavam dias e ele achou mais prudente se distrair com outras
coisas, talvez com jogos e estudos ou outras coisas, as quais talvez não
devesse na época, ou ainda não falar tanto nela. Nesse intervalo, pensava alto
ou então falava com Deus como um amigo distante. Tentava se distrair porque,
embora ainda se sentisse na torre, um tempo atrás começou a querer sair por
conta própria e confundiu-se pelo caminho; caindo sempre em alguma de suas
primeiras armadilhas. Agora não sabendo o que fazer, fechou os olhos e escutou,
pois assim lhe aclarariam mais as ideias.
     Circunspecto
em sono, pôde sentir um espelho à sua frente; talvez até já o tivesse examinado,
e ele ainda continuava lá, como se outrora já se tivesse mexido. Em verdade,
aquele era um objeto (criado per ele, talvez) que velava-lhe o sono e o
conservava assim. Devia ter alguma relação...
     Eles,
enfim, estavam na direção certa do castelo. Não fosse o dormente criando
inconscientes barreiras e obstáculos para os dois, a amazona chegaria mais
rápido.
     -
Princesa, boa tarde – um forte cavaleiro ajoelha-se ao lado de uma árvore e diz
o nome. – Sou amigo daquele que procuras. Nós dois estudamos juntos nos tempos
de colégio e há muito não o vejo também. Ele me enviou até vós, e se queres
encontrá-lo, estás no caminho certo.
     A
amazona riu e, com um pouco de desdém, fez sinal para o cavaleiro a seguir com
seu cavalo também de pelagem escura. Ao percorrerem cenários cheios de
vegetação e pedras, porém vazios de pessoas, o amigo de infância do príncipe
contava para a guerreira qualidades e defeitos daquele que dormia, enquanto
observava com minúcia qualquer movimento pelo caminho, pois a partir de agora
poderiam estar sendo seguidos.
     Na
torre, o espelho mirava o belo adormecido, contudo não refletia seu reflexo. A
imagem, meio que presa por entre o vidro, era de uma senhora alta com um longo
vestido azul escuro. Já que aquilo tudo era um peculiar conto de fadas, podia
deduzir sobre aquela figura. Pelo menos ela não falava, somente o olhava com
aqueles paralisantes olhos verdes e sua reluzente coroa prateada.
     - Então princesa, vai gostar de conhecer meu amigo. Ele é um
pouco diferente, mas bem legal de conviver - o cavaleiro falou e logo depois
avistaram uma placa que apontava para duas direções que depois de muito andar
se cruzariam novamente. Uma dava acesso à uma floresta e a outra à uma ponte de
madeira, com uma calma cachoeira depois.
     A
amazona, ainda com uma cara de deboche, tomou a frente e foi para o lado da
ponte, pois estava cansada de tanto andar e seu cavalo precisava também de
irrigar suas patas. Ela era rápida e, quando o cavaleiro a avistou, a princesa
já estava no trajeto caminhando para o final, enquanto o amigo do belo
adormecido ainda se encontrava no meio da bifurcação. Uma rajada de vento cortou
a passagem porém, e ela novamente estava sozinha.
     Como
não era do gene dela parar e procurar outra saída sem terminar aquilo que tinha
começado, mergulhou-se na cachoeira e espaireceu melhor as ideias. O fiel e
corajoso escudeiro do príncipe ainda estava lá, sentado e sempre alerta, mas
somente o que via eram névoas que avisavam o tempo frio que se avizinhava.
Também, era longo o caminho de volta, e a princesa, agora distanciando um pouco
do belo escudeiro, caiu em dormência e assim se passaram três dias.
    
Ainda no castelo, o príncipe teve de ter extrema cautela para não deixar com
que tudo fosse por água à baixo. Devo ter "criado" um monstro
que viajou entre névoas, falava o adormecido naquela espera sem
fim. Como ela está agora? Será que ela... se adormeceu, não existe mais;
ou tudo foi só invenção minha?! Acorda, Davi! Ele alternava os olhos e
observava ora à ela dormindo na cachoeira, ora o espelho que finalmente agora
refletia a imagem dele que chorava, mas nunca mais fitava o vazio. E a figura
de coroa prateada colocava o menino em xeque, caçoando dele e de seu jeito
"estático" que não saía "para caçar", igual aos outros
meninos de sua espécie. Porém, ainda que a vontade fosse cada vez maior de uns
tempos pra cá, não sabia com tranquilidade fazer aquilo e já estava velho. Isso
é... com 22 anos.      
    
No exterior, a amazona acorda aflitamente e, percebendo que já se passou muito
tempo, apanha apressadamente suas roupas e sai em busca do cavaleiro. Ele ainda
vigia a estrada mas a amazona não o vê, ainda sob o efeito da névoa.
    
(...)
    Ela
fechou os olhos e concentrou-se. Imagens passaram à sua cabeça mas ela não
ligou; e, com certo esforço e treinamento, preferiu não pensar no escudeiro e
nem em seu cavalo, também negro e de pelagem convidativa. Sentindo o vento,
golpeou o ar com sua espada, e já na primeira tentativa algo conciso caiu às
folhagens. Ela não tinha tempo para voltar atrás, e correu como nunca em
direção aos espinhos, que como GPS alertavam em sua mente o dúbio caminho.
Achou melhor ir sem nada nem ninguém, e deixou seu cavalo pastando livremente à
paisagem, dizendo-lhe "adeus, obrigado" em seus pensamentos.
     Ela entrou à torre sem esforço, pois
magicamente a passagem lhe estava aberta. Mais do que aberta, escancarada e esperançosa isso sim, pela mente atônita do
príncipe.
     Galgou até o último aposento; mas antes do
famoso beijo de amor verdadeiro, tinham um desafio maior a cumprir: o estático
espelho à frente. Contudo, o objeto tinha efeito somente sob a mente do ser que
dormia, não na amazona por esta ser mais forte do que ele. Apesar de que
"quem quebra espelho leva sete anos de azar", ela o partiu em mil
pedaços com a mesma espada que antes tinha cortado a névoa.
     A madrasta, sinistra figura de olhares e
coroa prateados, perdera enfim seu brilho. Ele estava livre da maldição! E,
antes de voltarem, é claro, entrelaçaram-se em um lindo e demorado beijo de
amor verdadeiro! O tempo ainda não permitia, mas ambos deixaram-se permitir.
     Mas, os perigos e percalços não tinham
passado. Quebrada a maldição, o cavaleiro, que ainda estava a quilômetros de
distância, os localizou e correu ao esteio para continuaram os três suas vidas
fora dali.
    
- Por favor, vá na frente e cuidado onde pisa! A madrasta não vive mais mas
podem existir armadilhas - a princesa falou ao chegarem à grande porta do reino
e parou, coisa que habitualmente não fazia, por um breve instante a observar a
paisagem.
    
As pessoas da vila eram educadas e igual ao príncipe, almejavam que aquela
antiga e estranha torre, que fôra transportada para o reino não se sabia
quando, fosse enfim destruída. Contudo por medo, aqueles moradores nunca
ousaram entrar na construção; e os que tentavam eram impedidos graças à uma magia
ou artimanha do próprio local..
    
Ela cortou as grossas e espinhosas plantas que cercavam a vila e as mesmas não
cresceram de volta, pois a madrasta não podia mais ordenar para que crescessem.
Esquivando de obstáculos e guiados por uma coisa invisível que os puxava, pois
a amazona agora sentia que "sua recompensa" estava perto, rompeu as
madeiras da correta porta e chegou ao seu destino. O príncipe moreno-claro e de
olhos castanhos estava sorridente à sua frente.
    
Como sempre com cautela (eles eram mais calmos que o aflito príncipe), ambos
percorreram com minúcia o pátio do castelo, a vila dos camponeses, e a saída da
cidade, com sobretudo cuidado à forças invisíveis. Ganhavam mais confiança ao
passo que avançavam; e sim, tiveram obstáculos ao trajeto, mas nada que, apesar
do clichê, o amor não pudesse transpassar.
     Ao longe, viram a distante torre se
desmoronar e o escudeiro tinha ficado para proteger os camponeses com seu
escudo ainda não usado. A amazona voltou ao seu reino de origem, e retornou em
algum tempo depois para a vila onde tudo aconteceu, acompanhada do príncipe de
nossa história, e do cavalo de pelagem escura e vistas despertas, que com o
desenvolvimento do tempo e do casal evoluiu para um alado hipogrifo, com assas em pêlos mais claros.
    
A festa no povoado durou três dias e os dois prosseguiram em viagem.
Belo Adormecido
Manhã do dia 4/10/2013 - quase 12:30 de um 2/6/2014 (mas esboçava esses sentimentos na primeira adolescência)
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