(...) E então o herói estava viajando.
Suas andanças e conquistas o levaram a outras paisagens — destinos nunca antes
pensados, mas sim muito ambicionados desde que ele tomou conhecimento dos
fatos. Peregrinava por ambientes claros e escuros, várias terras lhe ampliavam os sentidos, direcionando-o em seus contornos e contextos ora atrativos ora sombrios,
e adversos ocasos e perigos transformavam a jornada em algo muito mais difícil,
ainda que ele ironicamente risse de seus presságios.
Como um refúgio certo e bom para futuras
conquistas, lembrava de sua mera condição mortal e revisitava, às vezes não
querendo muito ou achando que era perda de tempo, o já distante reino guardado
pelas montanhas. Ao chegar, sempre persistia em sua postura reservada, privando-se
por falar somente o necessário e indo direto para a sala do trono, onde o rei
usualmente teria de ficar. Uma vez confirmado o rigor e o respeito para com o monarca,
o convidado rumava em direção aos seus aposentos cedidos, às vezes passando
pelos jardins e anfiteatro, ou descendo às masmorras, a fim de cumprimentar os
guardas e relembrar com o ego inflado daquela vez.
—... Nobre sem nome... — O soberano optou
por continuar na formalidade requerida, escolhendo uma nova alcunha para o seu
visitante, um epíteto menor e com sonoridades parecidas. Já era final de
inverno, mas ainda fazia frio. — Conheceis acerca de vontades, e as vossas e as
minhas são louváveis, ambas em suas particulares tramas. Ao derrotar o wyrm, a
vida por aqui pôde seguir seu fluxo como outrora víamos: a natureza voltou a
prosperar, os trabalhadores retornaram a seus afazeres, e todo o reino
reconquistou a paz, longe de confrontos tolos e de monstros que surgiram não
sabemos de onde. Estávamos felizes! E ainda é esse o sentimento que paira sobre
nossas cabeças. Mas, a humanidade sempre almeja mais, é claro... — Novamente, o
amigo iniciava mais um longo discurso, carregado de floreios desnecessários e encruzilhadas
que nada mais faziam senão adiar o inevitável. Porém desta vez, graças aos
Deuses, não olhou através da janela e pôs de uma vez os seus olhos fixos ao
herói. — Tal qual um rato sorrateiro, que facilmente passaria despercebido, fugiu
de minha proteção e se dissolveu como um líquido viscoso de meus domínios. Pode
ter ido a seu encalço, talvez almejando uma vida mais emocionante e
movimentada. Ou ainda, assim que atravessou estas fronteiras ou mais além, os
azares da viajem o sucumbiram... Sabeis de quem falo, eu suponho.
Sim, o cavaleiro sabia. Mas... não era
possível! Não! Não podia acreditar que tamanha petulância o fizera ir
tão longe. De certa forma, buscou ter esperança, e talvez tenha sido para
reforçar qualidades otimistas e alegres que os dois se encontraram. Mas... o
mundo era cruel, e a seleção natural não era para amadores... Apesar dos
pesares, manteve uma face impassível e incólume perante o rei. Naquela tarde,
não caminhou por outros ares do castelo. Foi direto a seu quarto para fazer
suas orações.
v
(...) E então, ele admirava novamente a
academia. Mas não mais como algo inatingível e distante, ousando abandonar a simples
observação de seus encantos de fora e finalmente se aproximando deles. Era bom
e tranquilo reimaginar suas sinuosas curvas e meandros desde uma vista
panorâmica, mas o momento agora pedia mais, acreditava ele.
Agora a comtemplava tendo já passada aquela
ponte, parado por uma espécie de porta à frente. A passagem era feita em arco e
ficava sempre aberta, como se convidasse todos ao seu ingresso. Não obstante,
muito antes daqueles tempos sombrios, e talvez como um presságio do
sobrenatural que viria no futuro, a entrada foi selada por mágica, e somente os
possuidores de determinado item teriam a graça de entrar à construção. Era uma
linda visão... Sua casa, do jeitinho que a deixara!
— Chave... chave... Onde será que está
essa chave?
O conhecimento arcano que bloqueava o
caminho fora simbolizado em um mundano e comum objeto, talvez para não ser
identificado facilmente. Mas aquela não era a única e copiosa dádiva que o lar ocultava
por entre suas paredes. E... achou deveras interessante e inteligente de sua
parte ele mesmo fazer uso do adjetivo “copiosa”, pois como em cópia a tal
fortaleza se mostrava para todos, com a ressalva de estar em proporção de 1 X
1, ou seja, cada e única entidade via uma única e só academia, sendo que todas
coexistiriam em harmonia, incrivelmente no mesmíssimo e pacato lugar, formando
e moldando o grande e dificilmente ornado empório do saber. A redundância de
termos até chegou a incomodar um pouco, mas optou por não economizar nas
elaboradas e bifurcadas escolhas lexicais. Assim como verdadeira ode, aquele
era seu momento... E sentiu vontade de cantar.
Mas não o fez. As palavras antigas e os
ensinamentos do cavaleiro eram claros: “mais objetividade, por favor! Sem
desvios bobos!” Como se fossem armas invisíveis, o homem se protegeu. Seguiu
seu caminho. Mas onde estava a tal chave?! Calou-se, e descansou em
posição meditativa.
Quantas mais seriam as magias — anos-luz e
ocultas aos magnânimos e fortes mortais — que se encerrariam às paredes dos
raros pedrilhantes? Quantas pessoas e transeuntes já haviam passado, e quantas
outras se esgueirariam outroramente, por entre os difíceis muros e os seus
obstáculos mágicos? Isto é, a graça de entrar abençoaria a todos — todos que
trouxessem a chave, é claro — mas apenas as mentes mais persistentes e...
menos rígidas e chatas... alcançariam a proeza de desvendar o segredo de uma
magia ou feitiço sequer.
— Ha-ha! Somos detentores de um valor, o
qual nem todos saberiam a profundidade de seus mistérios. — Ele ficou pensando
no que as pessoas “normais” poderiam fazer se possuíssem ditos conhecimentos, e
em como o mundo iria mudar se todos fossem magos, sem o devido estudo e
respeito ao equilíbrio e à vida. Levantou-se depressa. — Mas, basta de pensar
por hoje! Palavras são legais e podemos jogar com elas, repetindo-as, criando
ou visualizando novas, ou ainda como em sinônimo. E é daí onde vivem as frases
e textos! Mas, usando esse mesmo advérbio de lugar, onde está essa chave? Pelo
amor de Marika...
Mas aquelas... não passavam de perguntas
retóricas, pois ele suspeitava desde o início sobre a posição do “oculto” tesouro.
Tinha uma vã esperança de que... imerso a outros pensamentos, e inclusive louvando
sua casa com palavras rebuscadas... elas poderiam se transformar em feitiço e
mudar o tal objeto de lugar, trazendo-o mais para perto, uma vez que ele desejava
muito a coisa. Mas, “não se pode criar conhecimentos do nada. Mesmo aqueles os
quais trabalhamos, alheios e invisíveis a olhos mortais, necessitam ciência...”
frases similares a essas difundiam-se entre seus sábios, que as repetiam e as murmuravam
em juízo perfeito ou até mesmo mecanicamente como em transe pelas vielas e
curvas da construção. Ele... também as murmurou, enquanto seguia viagem.
Temerosamente, mas ainda assim confiante
de que daquela vez fosse dar certo, desceu uns níveis da ponte. Olhou bem a
retaguarda e certificou-se que não estava sendo seguido. Embora, de certa
forma, enxergasse familiaridade à região, aquilo fora há muito tempo; e já se
atentava para os perigos e inimigos novos que ali com certeza teriam surgido,
de um lado, pelos tempos “de poucos amigos” que todos teriam agora de lidar, e
do outro, graças à confluência mágica e as rotas que se sobrepunham desde o
além.
— Ora vamos. Coragem, homem! ...Será que
ele já passou por aqui? — Ele dava leves batidinhas na face e falava alto
consigo mesmo a fim de manter a calma. Lembrando-se dos escassos treinamentos e
conselhos que, insistentemente, ele conseguia arrancar de seu único conhecido cavaleiro,
encontrou uma brechinha e saiu se esgueirando pela lateral; pois piores
obstáculos talvez o estivessem esperando ao sul... ou seria ao norte? Ah...
não sei. A essa hora já nem sei mais os pontos da rosa...
O... objeto estaria lá, de fácil acesso...
ao alcance de seus olhos; não era preciso subir alturas altas... nem descer em
baixas depressões como seu destro e viril amigo corajoso. Mas... ainda que o
objeto estivesse lá... bonitão, inerte, e no seu “oculto” lugar... era o
objetivo à sua frente que seria difícil. Relativamente fácil sim, é claro,
para o cavaleiro; mas uma grande dificuldade para o pobre homem. Ainda mais,
pelo seu tamanho...
— ... Mas... você sabe onde está. Já ele,
não. E pare de se comparar! Você consegue. — Sem ninguém para motivá-lo, ele
mesmo fazia esse trabalho. Em primeira instância, lógico que pensou naquilo e
se auto menosprezou, mas já sem poder voltar atrás e ouvindo agora a respiração
quieta e adormecida do dragão, apegou-se no interessante jeito em que construía
frases à sua cabeça... e depois, inclusive em sua própria origem, pois era também
um membro da academia, deveras!
Caso tivesse o eterno e solitário viajante
realmente passado por ali, poderia comparar as duas feras. O homenzinho
petulante, que a essa altura já estava lá de corpo e alma, mas sem a possível e
indispensável ajuda do cavalo do herói para a “luta”, poderia fazer não se
sabia o quê com aquela história, e não se mostrou digno de saber das memórias que
o sigiloso amigo relatava ao rei diante do fogo.
Mas aquele dragão seria relativamente
fácil para quem já derrotara a fera do lago em ruínas. Ambas teriam ainda
escamas e proteção o bastante para um voo ágil e certo, porém a atual criatura parecia
um pouco mais esguia, e apesar de cuspir magia ao invés de fogo, o inusitado
ataque possuía um interessante brilho azul e poderia ser aparentemente menos
nocivo do que as abrasantes chamas que se alastrariam de qualquer animal
“normal”. E... é claro que o homenzinho petulante se punha a pensar se a ameaça
era real, se voara até aquelas terras graças aos acasos antigos, ou ainda se fora
criatura pelos magos e mestres da própria academia, não se passando então de
mais uma prova a qual desafiantes tinham de passar a fim de adquirir os
conhecimentos misteriosos.
— Caso seja a opção ‘c’, de correta e certa,
a hipótese de que o dragão não existe... É fácil eu...
"GRRRHHHrrrhh... KHHRRRhh..." O
quão mais perto da fera se colocava, os roncos e barulhos guturais eram amplificados
pelo medo e pela insegurança que sentia. E, se de fato estivesse os escutando, então
sim, era real. A hipótese que ele próprio elaborara com tanta esperança e
convicção havia se dissipado.
"GRRRHHHrrrhh... KHHRRRhh. GRRR...
KHHRRR?..." E ele estava parado, a meio metro do dragão adormecido (o que
era já um avanço), mas ainda pensando se corria, se usava um escudo seu que não
era tão bom, se jogava uma pedrinha na direção oposta e se escondia
furtivamente... Coçava a cabeça como se tivesse ainda algum tempo, enquanto olhos
lavanda com um toque suave de pedra lolita abriam-se lentamente ao seu lado.
Acordou! E, quando sentiu algo pesado se
levantar, apoiando-se nas asas para lhe dar mais estabilidade, com a astúcia de
um ladrão correu para trás, tentando rolar e se recordar dos valiosos
ensinamentos de defesa pessoal “aprendidos” com o cavaleiro.
— Bom... Pelo menos está mais brilhante
agora. Gostei dessa cor, dragão...
Tão logo ele acordou e, curioso para ver
também o que estava acontecendo, retomou uma postura ereta e majestosa. Abriu
totalmente as asas para enfatizar mais a disparidade de tamanho, e voou;
enquanto o pobre homem embaixo apenas rolava como podia, e para ajudar traçava
mil eficazes maneiras de lidar com o perigo.
O palco da vez era uma planície alagada,
não tão densa e suja como um pântano, mas lembrava bem. Em comparações que
jamais poderia ter, não era uma depressão circular que deixaria a luta (ou os
passos de dança) mais cíclica (ou mais cíclicos, para concordar em gênero,
número e grau). O grande animal alado poderia voar livremente, assim como
estava fazendo nesse exato momento, e imbuindo de um lindo azul brilhoso todo o
cenário ao redor. Caso pudesse, mas... tinha perdido a chance, o outro estaria
galopando com uma outra criatura de quatro patas, ou invés de correndo e usando
técnicas que nunca pensou que um dia fosse capaz.
— Como queria eu que Ásirus estivesse
aqui, como outrora um dia se mostrou. ...Mas, para. “Outrora” tem o mesmo
sentido de “um dia” nessa frase... — E, mesmo correndo e correndo, a adrenalina
não o barrava de fazer chatas inferências e conclusões como só ele só. E, levaria
sim contínuos danos das baforadas pedrilhantes que choviam de cima; mas, com o
gênio ignorante que tinha para essas coisas... as palavras meio que formaram seu
maior escudo, acrescidas do seu próprio desenvolvimento pessoal, “preparado”
com boa defesa mágica graças à infância na academia e depois pelas várias odes
e discursos sem fim ao reino no qual se refugiara.
“Conheço... essa voz... Deveras, bona
vala mībo taobe iksos daor. Não pode ser...”
Algo retinia em sua cabeça, mas ele
somente ouvia os barulhos do ambiente externo e os ecos dos seus internos
batimentos acelerados. A esguia majestade, como um verdadeiro e importante
monarca, pairava no céu sobre duas patas enquanto identificava o desafiante.
Seu humano coração gelou, e se deu ali mesmo por vencido. Como em cenas, viu
todo o seu trabalho na academia pressioná-lo contra o chão; juntamente com... o
dragão?
v
— Então... Já acabou? Eu posso abrir os
olhos?! — Resistira bem, mas o presságio do impacto fez o homem desmaiar. A
sorte se invertera: era ele agora quem estava dormindo. Apesar de não produzir
ronco algum e se pôr completamente desacordado. Também em paciência, e destreza
para mostrar imponência, a fera esperou acima até ele retomar os sentidos. Não
demorou muito, de fato.
“Sinto muito, mas receio que não tenhas o
conhecimento necessário para me ouvir. O que... pode ser bom até. Se pudesses, deslacrarias
deveras teus códices, e possivelmente contaria vantagem por estar falando com
um dragão.”
— Que... esquisito. Ainda ouço similares
barulhos na cabeça. Mas... se me belisco, eu sinto o peso dos meus dedos,
deveras. Será que eu... voltei talvez para o Mundo Cerúleo após tanto tempo? —
E assim divagava com sua própria efígie. Desde os acontecimentos nas montanhas,
seus olhos se abriram mais e estudava sobre o tal cenário “todo azulzinho” que
tivera o prazer de encontrar ao lombo de Ásirus. Caso ele fosse digno de
permanecer entre os mestres... poderia topar com a visão há mais tempo. Mas, se
mesmo com medo conseguiu visualizar... ainda que com ajuda... tá bom. Já
era válido!
"Grrhhmm-phh!" Imediatamente, a
criatura, ainda aos céus, mudou seus tons guturais para quiçá parecerem menos
ameaçadores. Refreou seu movimento de mergulho e descia ao encontro da presa
com um curioso ar neutro e de ostentação. Pousou, como se já não se importasse
com o “intruso”, ao seu lado e lhe acenou com a ponta de sua asa direita o
pequeno recôncavo onde se escondia a tal chave. Era um bom dragão...
De acordo com sua vaga lembrança também, o
objeto podia sim, e muito bem, passar despercebido uma vez que estava inserido
em um cenário tão vasto, sendo guardado por um alado animal que atrairia sempre
mais o olhar de “visitantes”, seja por sua imponência ameaçadora ou por sua
beleza sem igual. Junto de um punhado de pedras escuras e sem importância, ali
estava caído. E... o homenzinho não acreditou quando o guardião delatava para
ele a posição correta do tesouro. Ficou estagnado (como qualquer outro ficaria,
isso temos de concordar), depois cambaleou..., a impaciente fera bufou e ele
cambaleou mais... coçou a cabeça e olhou para os lados não acreditando mas já
querendo chorar de emoção. Finalmente rumou decididamente para pegar a chave,
com um orgulho de um campeão que teria cumprido um grande feito.
— Obrigado caro e nobre Dragão! Perdoe-me,
mas nem sei como agradecer... — Não sabia como nomeá-lo, deveras, e por isso
fez questão de pensar no seu nome com a letra inicial maiúscula. Ambos, ser e
criatura, não tinham lá tanta familiaridade e a majestade alada poderia não
gostar se ele atribuísse a ela um nome que não se encaixasse ou soasse o mínimo
dracônico possível. Fez a reverência como devia ser e se sentou em posição de
lótus. Os seus mundanos olhos marrons estavam, ainda que mareados e receosos de
mirar para a direção correta, fixos e circunspectos aos divinos portais brilhantes
à frente.
— Ahh... já
esperei demais. Não falais... Então já vou indo. Obrigado mais uma vez, ó
grande soberano dos céus!
Ele já estava indo, “escapando ileso”
novamente como um rato sorrateiro quando... a pesada cauda do dragão bloqueou
seus passos. O animal deveria estar voltado a se irritar pois “o súdito” não
esperou o devido e necessário tempo à companhia de sua “proteção”.
Previsivelmente de novo, tombou ao chão e seu coração parou! Mas, não demorou
muito, voltou logo em seguida por algo pétreo que cutucava delicadamente suas
pequenas costas.
— Dragão, o que queres de mim? Sou pequeno
para compreender vossas vontades — ele falava, mas não obtinha alguma resposta.
Isso é não em palavras, mas em gestos. Sem acreditar, algo era indicado pelas
asas do animal tal como antes. Isso é, algo que não era exatamente algo
comum e inanimado, mas uma... outra criatura? Bem... certíssimo estava de
aquele algo não estar lá previamente, muito menos fazer parte do cenário
pantanoso. Era grande, não tão colossal como um dragão mas ainda assim não por
menos intimidante; portava uma pétrea espada de lâminas gêmeas, com um design
único e bem característico; e seu corpo esguio humanoide ostentava asas,
proporcionais à sua figura e colorindo sua completa efígie de um cinza pétreo
quase impenetrável. Era uma gárgula. Não bastava a real ameaça, estava diante
de uma gárgula!
...Só, que não era mais um típico exemplar
desses adversários que voam pelos céus e assombram os viajantes. E, por isso
teve certeza de que a criatura não estava no cenário antes de ter adormecido. O
seu corpo — sem gracinha e inteiramente de pedra —, era o que constava nos
livros e imaginações férteis de uma criança que nunca saíra do conforto de seu
lar. O que se punha diante do homem era sim uma escultura intimidadora de um
período gótico ou vitoriano, mas mais do que isso uma evocação. Um lindo e majestoso
pássaro azul. E... não parecia tão mal encarado como lhe contavam.
O homem colocou-se de pé em um ornamental
salto para trás, enquanto alisava suas vestes já amarrotadas. Agora, entendendo
melhor a inusitada situação, virava o pescoço devagar para a esquerda e para a
direita. Ainda não sabia em que se fixar, verdade. Se nos dois pequeninos espelhos
em formato de olhos de gato, com seus atrativos e amigáveis tons de roxo e
lavanda; ou se no novo guardião azul que agora se mostrava, incólume e parado
ali em postura ereta com a espada apontando para baixo, possivelmente a esperar
ordens de seu senhor.
Eis que a cauda do dragão tornou a subir,
eis que o ex-integrante da academia passou celeremente, ainda duvidando se a
passagem fosse se fechar, e logo mais aquela evocação o seguiu como se fossem
bons amigos.
Mas... e o sino? Se ele seria digno
agora de chamar espíritos em cooperação, teria de ter o similar objeto para
labores agrários igual ao que o cavaleiro ostentava por aí. Mas... parecia que
o dragão tinha outros planos para ele, e o mesmo provara seu valor e respeito
quando vislumbrara o Mundo Cerúleo ao lombo de Ásirus aquela vez. Na certa, o
rei dos céus reconhecera suas valorosas ações, e resolvera dar crédito ao nobre
humano uma vez que ambos os caminhos, e tramas do destino, segundo ele,
se cruzaram novamente.
Como num raio de magia rápida, varreram as
distâncias. E o homem fora imbuído de coragem e motivação nunca antes sentidas;
pois, com um brutamontes azul do lado, ainda que menor do que um bicho de pedra
comum mas ainda assim fortemente capaz, não teve a menor dúvida de que
conseguiria! Estavam de novo ali, agora com a chave e... graças à Marika, a
ele também e ao Dragão, junto ao protetor cerúleo.
Então, o homem introduziu a chave em um
buraco de fechadura imaginário e rodou com o simplório objeto 180 graus para a
direita, porque ele era canhoto; e depois voltou mais 90 graus para a esquerda,
segundo ainda se lembrava do segredo. Assim executado, a parte dos dentes da
chave se transformou em um cristal azul em formato de pingente, e logo no
espaço maior onde sua mãozinha esquerda a segurava, dois círculos — um menor e
sem decoro algum e outro maior, ostentando um acolchoamento de mesma forma azul
—, formava-se delicadamente. Com o mesmo cuidado o sábio tirou a mão do objeto,
e uma espécie de tridente, com uma pedrinha no centro, agora turquesa,
foi materializado.
Ele achou que a chave sumiria ao cumprir
seu trabalho. Mas não, quem sumiu foi a tal gárgula, a que o homem, apesar de
momentaneamente confiante, estava rezando para não o abandonar. De fato, sem
ninguém, e sem saber ao certo quem o que iria encontrar, sentiu um resquício
incipiente de medo. Mas... estava, sim, mais perto, e a certeza da
vitória era por demais convidativa. Silenciosamente guardou a chave, mesmo que
voltara ao estágio mundano poderia muito bem ser de uma utilidade necessária.
Seguiu, como o que seria a destreza de um gato, mas com a sua já registrada e
mais certa petulância furtiva.
v
(...) O cavaleiro então, ao embarcar na
nova viagem, pegou-se pensando em uma outra passagem há muito distante. Apenas
uma coisa, segundo ele próprio, faria diferente caso tivesse nova oportunidade:
passaria mais tempo ao convívio do reino e, embora não fosse necessário, sob a
proteção do rei. Jardas se aumentavam em léguas, inimigos humanos se tornavam
bestas provindas de uma imaginação sombria e até doentia, tramas e caminhos se
sobrepunham aos traços e rabiscos de um destino cruel. Instantes de felicidade
e fartura seriam cada vez mais escassos para alguém que escolhesse tais
objetivos. Ao que parecia, cada degrau almejando o inalcançável, a cada
elevação vencida que fazia ele próprio se sentir como um Deus, subir-se-iam
também as provações e desafios físicos e psicológicos.
— No entanto, não seria assim que ele
veria as coisas. — Quase nunca se emocionava, e os azares e meandros das
viagens pouco lhe balançavam, de fato. Contudo, ter convivido com o tal
homenzinho petulante, o qual não podia acreditar que fora apenas uma memória
rápida, tamanhas eram as suas odes e amolações, lhe fizeram... ... ... Foi, foi
sim, foi bom para ele para baixar a sua pompa.
Não. Não precisava daquela correria
toda para os encargos os quais o próprio herói se outorgara a cumprir. Os
dragões e feras aladas... eles sempre existiriam lá, e... seria um caminho
neutro e “mais tranquilo de tempo” do que caso optasse por enfrentar os ladrões
e os verdadeiros antagonistas de seu passado. Mas privava-se em completar a
corrida de um jeito rápido e sem desvios justamente por sua particular história
de vida, pois via em cada criatura as efígies daqueles salteadores, imaginando
rostos e maquinações as quais não pôde enfrentar antigamente. Viajava sozinho,
e se refugiava somente o necessário em paragens talvez para não se apegar às
pessoas; pois tudo em sua vida era efêmero.
“— Nobre e valoroso amigo, vossa presença aqui
nestas terras enobrece o nosso nome e fortalece o porvir de meu reino. Não
obstante, se minha memória não me trai, certa vez disseste: ‘nada deve ser
eterno, e a vida quer de nós mudança’”. — A cena era de um desjejum na sala do
trono, similares a também outras que o viajante conquistara o direito de presenciar.
Mas, era sabido que não estava se recordando da passagem devido apenas à
personalidade do rei, que, apesar de forte, enxergava no reservado estrangeiro sinais
de um filho que nunca teve. Sua mente detinha-se àquelas cenas pois fora uma
manhã em que uma outra figura foi evocada à sentença, um alguém que estava
mostrando-se digno até, ainda que sob muitos e duvidosos poréns. “— É
importante e bom nos manter firmes, e seguir com nossos afazeres, seja lá quais
forem... Alcançastes a glória eterna, e tens meu profundo apreço e gratidão.
Antes de sentires à vontade para desbravar horizontes além, desejamos dar-lhe
como recordo pedras de forja mineradas e materiais diversos, alguns raros e
únicos, os quais conquistamos em anteriores incursões. Não posso ainda
ausentar-me livremente de meu posto, sinta-te livre para levar em missão alguns
de meus homens. Aconselho-te o servidor de Alcaide Déhla, que tem se mostrado
apto até e um bom servo, apesar da chatice e das histórias inventadas e
intermináveis que se presta a contar. Será inteligente ir por agora, uma vez
que o caminho ainda deve estar mais tranquilo.
Não era de seu feitio viajar em companhia,
mas brincar por algumas horas de membro da corte de maior prestígio e oficial
de patente mais elevada teve seu lugar! Movimentou certas tropas à sua vontade
e se permitiu distrair um pouco, mas... já começando a criar vínculos! No
balanço geral, foi interessante o atípico desafio; eventualmente tornando-o mais
capaz!
“Perdia”, por outro lado, mais tempo
rumando sozinho para as montanhas, e esperando incessantemente as conhecidas
ameaças retornarem ao seu atual palco (pois renovariam as suas caras certamente
após um tempo). Não lhe era comum também ater-se a escolhas lexicais, mas
fizera questão de pensar sobre o verbo ‘perder’: estaria mesmo matando tempo ao
incutir à paisagem e completar os mesmos desafios várias e várias vezes, ou
isso era o que lhe possibilitava um invejável avanço nos sentidos, e lhe
capacitava além dos meros mortais para algo maior e mais... inusitado?
Errava, voltando ao seu status solitário,
incessantemente pelos quatro cantos do mundo e achou, escondido no mais interno
e escuro de dois fortes, duas metades que se uniriam e formariam uma espécie de
roda achatada em coloração de barro batido, apenas com uma sutil divergência de
tom e textura em um minúsculo espaço no exato centro superior. Ele não precisaria
daquilo caso optasse por perseguir os ladrões que dizimaram sua vila anos atrás;
mas, o mesmo Mundo Cerúleo que ratificou para o herói a posição dos antagonistas
de sua infância, agora delatava que necessitava do item para completar seu determinado
empenho de derrotar dragões, pois eles sim se esconderiam em vários caminhos, difíceis
rotas, e extremos climas, exigindo uma constante fuga do lugar comum e
estratégias que teriam sempre de ser reescritas nos meandros de sua história.
Com isso, terras e mais terras cruzou —
distâncias desertas e labirínticas, ora separadas por abismos, fortalezas e
caminhos esquecidos, onde a poeira dos séculos se acumulava. Guiado apenas pelo
eco de lendas há muito dispersas, avançou entre reinos devastados e campos
outrora gloriosos, e enfim alcançou o seu tão aguardado objetivo: escadarias
que o conduziriam ao grande elevador. Agora, em posse do item completo, o
eterno viajante mais uma vez provou seu valor, erguendo-o diante das
criteriosas estátuas que barravam a passagem. As sentinelas de pedra viraram,
como se tivessem vida, para o medalhão, e os seus olhos adquiriam um intenso
brilho vermelho, que também incidiu sobre o detalhe incrustado bem no meio do circular
objeto. Fechando os olhos e sentindo gradativamente a brisa entrar pelos
pulmões, imaginou naquela mesma hora ser coroado em louro por um monarca
qualquer, enquanto ascendia-se até o mais alto das nuvens, em uma sagrada e
prometida região com geografia protegida e cores divinas em tons de amarelo e
laranja.
No entanto, já vislumbrara a colossal
divisa desde longe, na vez em que descansou no acampamento mais alto do
penhasco, logo antes de entrar na última caverna e desafiar o wyrm. Após os
eventos lá de cima, desceram — ele, e, é claro... o homenzinho petulante —,
espalharam a boa nova ao reino e, na noite seguinte, fez-se a grande festa. O
cavaleiro, já de ânimo renovado e desta vez mais calmo e tranquilo,
cordialmente não subiu mais à montanha e deixou os trabalhadores e o inteiro
reino se recuperarem ao compasso de seus próprios dias.
v
—
Sim, é linda a visão. E que bom que pude proporcionar isso para meu amigo.
Também não era de falar sozinho, muito
menos voltar nos mesmos locais que já sabia estarem vazios, ou seja, com apenas
natureza, porém sem monstros e/ou itens relevantes. Mas... talvez para não se sentir
tão desapontado com aquilo, optara por fazer as últimas orações ao homem lá,
pois ele iria gostar de rever a panorâmica.
Poderia usar uma conhecida estratégia e pesquisar
previamente o que teria ao subir o novo rudimentar elevador, uma vez cruzado o
antigo templo de batalha. Mas, corajoso e apto como buscava ser, não se valia
de vantagens para perseguir os seus objetivos, e o máximo que ousou fazer foi
averiguar para qual direção os antagonistas de sua história se escondiam,
talvez para rumar por outro canto e abster-se de tal confronto.
E, sem nada mais para encontrar ali, o
cavaleiro deu por encerrada aquela mais nova grande aventura. Ainda pegou-se
pensando no que o homenzinho otimista faria, ou pior, cantaria ao descer
tranquilamente aquelas montanhas, os mesmos cenários que ele mesmo outrora já
tinha percorrido, ao seu lado. Chegando ao reino já à tardinha, optou por
deixar Ásirus anunciar seu então retorno triunfal. Foi um pouco humor negro a
cena de o cavalo estar se avizinhando sem o cavaleiro, ainda mais relacionado
aos últimos acontecimentos. Mas, ele não tinha ido para uma missão, deveras, e
já era muito acostumado com aquilo. Alguns vigias no vilarejo notaram as suas
petulância e ironia, mas, em respeito, dessa vez não zombaram. Deixaram-no
passar.
No mesmo dia, ao cair do que seria uma das
últimas noites frias de inverno, sentiu que já era hora, e partiu. Há muito
desejava também rumar para o leste, e pensou ser aquela a ocasião propícia, uma
vez passados os oito dias para treinamento e descanso. Não que ele acreditasse
em condições específicas, ou fosse supersticioso ao ponto de seguir dogmas e
sandices alheias, mas via como interessante o “espelho” que tal algarismo
representava; motivada a crença pelo dito Mundo Cerúleo, que coexistia em
harmonia ao plano mortal.
Planícies, planaltos, depressões... vales fechados
por brumas e desfiladeiros abertos, que pareciam suspensos e intocáveis até
mesmo pelo próprio ar. A terra, entre seus relevos mais uniformes, e a
vegetação, em um esperançoso verde vívido predominante, foram se modificando
aos poucos para tonalidades vermelhas e para rochosas geografias de morte e
intimidação. Ao viajar desde o Leste, chegou ao oeste do novo cenário.
Reafirmando o seu típico aspecto macabro, avistou áreas pantanosas e cânions
que podiam bem ser leitos de rios secos. Embrenhando-se por entre fendas e
passagens estreitas, pegou uma estaca de madeira que levava consigo e jogou,
com todo o cuidado possível, em uma substância espeças e oleosa que corria no
mesmo lugar onde seria o tal manancial. O líquido tinha a mesma aparência das
terras, acrescido de uma já previsível de barro.
A estaca, na mesma hora em que entrou em
contato com o curioso fluido, deteriorou-se depressa. Riu ironicamente para si,
pois já sabia o que era. As essências, pois existiam mais pela região, continham
um veneno absurdamente nocivo aos humanos. Jogou apenas para ter certeza de sua
sorte, enquanto lembrava dos ensinamentos de sua avó e opinava sobre o que
seria. Não podia nem pensar em tocar naquelas áreas por agora.
Mas o seu cavalo, Ásirus, poderia ter
imunidade uma vez vindo de outro plano! Já as demais criaturas evocadas, que
também eram provindas “do além”, poderiam ter menos resistência e estabilidade
naqueles trechos, pois apenas conseguiam se juntar aos mortais em determinados
momentos, o que seria mais restrito do que seu companheiro de quatro patas. A
marcha de seus duros cascos somente era vetada em castelos e lugares fechados,
os quais não teriam uma contínua circulação de ar. E conforme ele caminhava por
ali, não se avistava tais cenários fechados; em comparação, a vastidão
silenciosa dos lugares era o que pressionava e sufocava a cada ritmo o seu
coração.
O viajante, ainda que errasse para frente,
pensava se não seria melhor voltar e explorar a região dourada oculta atrás do
wyrm e do elevador. Mas... para subir acima das nuvens, tivera de mostrar seu
valor... e graças àquele pré-requisito pôde constatar que as ameaças dali
seriam mais difíceis e exigiriam mais estratégias. Optou por permanecer onde
estava.
— É, de fato. O pessoal daqui gosta de
briga. — Partindo do leste da região e descendo um pouco para o Sul, chegou em
uma espécie de clareira onde novos inimigos, divididos em pequenos grupos de
humanos e animais. Os primeiros seriam muito provavelmente soldados, talvez um
ou outro guerreiro mais brutal à paisana, e trajavam de leves a pesadas
armaduras de ferro, sem qualquer adorno estilístico e único, mas algumas
protegidas com cotas de malha e outros apetrechos, talvez sujos e desgastados
por uma guerra sem fim. O segundo grupo era formado por cachorros de
aproximadamente dois ou três metros, de pelo liso em negro, e alguns poucos com
uma variante em branco. A diferença dos outros canídeos que perambulavam também
pelo mundo, estes eram bípedes, com as duas patas inferiores e as duas
posteriores pequenas... assustadoramente pequenas... e cada um com uma
cabeça gigante e uma arcada dentária repulsiva que parecia evidenciar ainda
mais as desproporções de seus corpos. Andavam meio desengonçados e atacavam
arrastando suas mandíbulas ao chão.
Já tinha presenciado aquilo quando
acidentalmente quis amolar as feras para medir a sua própria destreza e a força
dos novos adversários. Varria o perímetro até então sem o suporte de seu amigo
quadrúpede, de forma mais tranquila, porque naqueles recôncavos esquecidos nem
o líquido venenoso tocava. Contudo, quando os cães abriram as bocas, chamou
Ásirus para ganhar mais agilidade. Ambos os lados levaram dano, mas a vitória
logo lhe sorriu! Seguindo para o sul, outros cachorros apareciam... e fora lá
que avistou o batalhão dos inimigos humanos, que junto a todo o resto do
cenário não faziam nada, meio que de vigília para algo maior.
— Bem... como diria com certeza o outro...
‘não contavam com a minha astúcia’. — Ficou um pouco desapontado, deveras,
assim como quando presenciara aquela vantagem ao subir para os patamares mais
elevados. Com um misto de desdém e malícia, assistia, desde um pequeno deck de
madeira que estava bem e estrategicamente posicionado, aos monstros ali adiante
se engalfinharem como loucos. E, já sei... o outro certamente poderia aqui
filosofar que se batem uns aos outros porque são de biologias diferentes, e o ‘igual’
sempre acha que o ‘diferente’ é uma ameaça. “Cuidado! Vamos todos morrer” ...
Se bem que Melina de mesma forma talvez estaria me dando similares sermões. Não
sei porque me ponho tanto a pensar nele!
Após
esperar a ocasião certa para subir em uma espaçosa torre-vigia com apenas dois
soltados atirando flechas desde simples bestas de madeira, fez a limpa no andar
de cima, além de pegar um outro talismã que ajudaria no alcance de seus
projéteis. Retornando ao convívio dos inimigos de baixo, não acreditou que
ambos os grupos se atacavam por si só, em cega busca pelo alvo certo. Achou
aquilo inusitado e resolveu permanecer por lá até o outro dia, ou o próximo, só
para ver se o show continuava. Ouriçava os rivais com Ásirus, e depois repetia
o feito de subir tranquilamente a construção. Evoluía em atributos de
sobrevivência nas horas vagas.
v
Obedecendo a sua rígida lógica, saiu na
manhã do dia 20 para... não sabia aonde. Sua curiosidade de herói nato desejava
seguir para frente, desbravando um atípico e sombrio castelo erguido sobre um
penhasco, atrás de uma grande ponte cinza de pedra. Foi tentado a direcionar o
galope certeiro de seu cavalo para lá, mas o fechado cenário também seria
povoado por aberrações... Então, absteve-se daquelas desventuras, e voltou seus
passos para o noroeste, ainda que só para ver o que tinha ali.
E seus instintos lhe fizeram...
desabilitar novos inimigos e, chegar em um contorno de estrada, que dava para
uma enorme fenda. Rodeado por uma paisagem de cânions e... que interessante,
espécies grandes e apodrecidas de plantas, algo branco se avistava! Exibia
ferimentos que contrastavam com o tom da pele, mas pelo porte grande poderia
ainda ser muito resistente. Era um dragão! Uma fera que dormia, porém estava lá
como guardião de algo também único, um templo em ruínas.
Lógico que, pronto como já se sentia, não
teve dúvidas. Usando ainda a vantagem do cavalo, bebeu um elixir que lhe
conferira um maior poder de ataque carregado, e rumou à aventura adiante.
Rapidamente e para fins estratégicos,
comparou as características da presente criatura com as de uma outra, já há
muito enfrentada. Ambos teriam mais de 20 metros de altura, e, diferindo-se um
pouco das lendas de outros animais maiores ou mais serpentoides como um wyrm,
ostentavam escamas menos rígidas, para moldar os seus movimentos enquanto planavam
com sinistra elegância, além de possibilitar assim um cortante voo ágil. O que
seria uma vantagem em um campo de batalha, poderia ser uma armadilha no atual, pois
antigamente ele poderia contornar e confundir a criatura, em um cenário
circular. E... ali não. Talvez não seria bom usar tal estratégia, pois pedras e
algumas elevações existiam ao palco, e... do lado direito toparia com um
abismo. Mas estava apto para o desafio, e usaria sim fogo contra fogo, ou
melhor, garra contra garra para colocar a fera no seu lugar.
O
bicho apenas levantava a cabeça, quando o herói mudou de direção e já corria com
sua dourada lança mirando na pata esquerda do animal. Não por menos, ele rodou
o corpo em um ataque com a cauda e, focalizando bem a presa, expelia de sua
garganta um jato de pó grosso e vermelho com aparentemente o mesmo grau de
periculosidade do veneno que abundava a região. Graças aos Deuses e à sua
destreza, o cavaleiro escapou dali e se refugiou em uma rocha logo atrás, que
fez a substância se espalhar em vários vértices em contato com a natural parede
escura.
— Ó, que linda visão! — E, distanciando mais
um pouco com medo de respirar o gás, ainda encontrou tempo para zombar do
dragão. — É... escapei. Mas que bom que essa decoração não abre... — Ele se
referia à curiosa planta que estava logo à entrada da fenda, inacreditavelmente
saída do solo de areia sólida. Similares ornamentos se faziam ver em outros
pontos do cenário, concedendo ao ambiente um ar sombrio e sempre intimidante.
Fora por pouco, mas muito bom mesmo que os “botões” não desabrochavam ao toque
da poeira avermelhada.
Maiores do que a primeira dificuldade,
quando a fera batia as pesadas patas no chão, os nocivos ares irrespiráveis
subiam, protegendo-a em ocasionais barreiras. O desafiante tinha de repetir a
tática de correr com o cavalo + bater na criatura alada + escapar na surdina,
também em companhia de Ásirus. Perdera a conta de quantas vezes fizera aquilo,
entre um instante ou outro que, para agilizar, descia de sua montaria e feria a
ameaça com uma grande mão dracônica, que era materializada desde seu ombro esquerdo.
Conseguira tal poder após ter derrotado o wyrm da montanha, e ficava feliz com
a possibilidade de usá-la na disputa. Achou mais sensato guardar o sopro de
fogo, porque biologias como aquela teriam resistência ao tal elemento, além do
que o calor poderia interagir com as tais flores em volta deles, e abri-las
como mágica ou acabar de matá-las, exalando o aroma da substância escarlate.
Sentiu medo, mas, porém, estava com seu cavalo...
Era certo que, para o apto homem, tamanho
deixara há muito de ser documento. E ele dispunha de estratégias que poderiam
ser lançadas — algumas facas de arremesso, sempre aos pares, que já trabalhavam
para confundir o animal. Porém, sua pele e seus ataques, de mesma forma
destros, desviavam os projéteis enquanto corroíam algumas. Não obstante, o
simples homem em terra lutava bravamente, confundindo e ferindo a grande ameaça
dos céus.
Cuidava do medo, pois o animal farejava o
crescente e natural sentimento. Baforadas e mais baforadas de veneno, e o
cavaleiro subia em rochas e errava entre as suas estreitas passagens. Sempre
que subia, mirava o dragão. Tinha de estar atento! Não teria opção...
— Obrigado, Ásirus... Excelente ajuda.
Vamos continuar!? — Protegendo-se em uma escadaria natural de pedras, alisava
com pose feliz e de vitória seu cavalo. Era só seguir em similar estratégia e
foco!
— Isso! Vamos! ...AaaaAAAHHHH...! — Já
descia, mas... um sussurro pesado cortou o ar. Não era o som das asas do
dragão, mas sim... uma única galopada em falso.
v
"RHHHAAAARRGHH!"
Logo ao cair do precipício, o amigo
cerúleo sumiu do nada, sem deixar vestígios. Mas, era muito para entender no
momento, acordara depois de um tempo, sentindo a brisa ainda da aurora e mais
perto do ardente sol daquelas terras, recolorindo o ambiente. Deitado e sem
forças, só o que fez foi abrir os olhos. Abriu os olhos e viu... que voava às
costas de algo largo e azul.
(...)
E assim,
terminou-se mais uma saga do herói, com disciplinas e palavras a seu ponto.
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